Histórias de Moradores de ItapevaEsta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar o acervo de vídeos e histórias com depoimentos dos moradores.
História do Morador: Marcos Bührer Campolim
Unidades de Conservação - Oportunidade ou exclusão social?História: Projeto: Memórias do Vale do Ribeira – Diálogos Entrevistado por: Danilo Eiji Depoimento de Marcos Bührer Campolin São Paulo, 18 de Maio de 2012 Realização Museu da Pessoa Depoimento MVRHT002 Transcrito por Cristiana Sousa / MW Transcrições (Mariana Wolff) Transcrição revisada por Danilo Eiji Marcos Bührer Campolin P/1 – Bom Marcos, bom dia! Primeiro, eu queria agradecer por vir aqui e participar do nosso projeto Memórias do Vale do Ribeira – Diálogos. Pra efeito de identificação eu queria que você falasse o seu nome completo, a data e o lugar do seu nascimento. R – Marcos Bührer Campolin, 24 de outubro de 1967; Itapeva, São Paulo. P/1 – Maravilha. Eu queria antes de entrar no tema mesmo, no Vale do Ribeira, que você contasse um pouco sobre você, assim, a sua formação, o seu trabalho; enfim, você é casado (risos)? R – Bom, eu sou caipira do interior de São Paulo, tive muito pouco contato com o mar, mas desde novinho botei na cabeça ser oceanógrafo, eu fiz oceanografia no Rio Grande do Sul e assim que me formei eu já comecei a trabalhar com áreas protegidas. Então, eu me formei, trabalhei um ano de voluntário um pouquinho na Juréia, um pouquinho lá no núcleo Picinguaba da Serra do Mar; e logo na sequência comecei a trabalhar com projetos de manejo junto às comunidades tradicionais. Então, a minha primeira experiência ainda foi no litoral norte de São Paulo, especificamente ali em Caraguatatuba, divisa com Ubatuba em um projeto que viabilizava a alternativa para os pescadores com cultivo de mexilhão, Projeto Martim Pescador, isso já para a Secretaria de Estado do Meio Ambiente, não como funcionário, mas como prestador de serviço. Logo na sequência, eu fui convidado por duas pessoas maravilhosas que foram a Sandra Guanaes e o Sérgio Bassimon, funcionários do Estado que tinham um grande compromisso com o Vale do Ribeira, para fazer um projeto diferente no Vale. Então, foram contratadas duas pessoas com dois perfis complementares, um oceanógrafo, eu, e o Paul, um engenheiro agrônomo, nossa função foi: Na região costeira do Vale (pegando Iguape, Ilha Comprida e Cananéia), identificar os potenciais existentes ali para você trabalhar com o manejo de recurso junto às comunidades locais. Foi bem bacana porque a gente fez um pente fino nessa região, visitando todas as experiências, identificando lideranças e com a nossa base técnica fazendo já essa identificação do que era potencial, o que dava para a gente fazer de intervenção, né? E nesse trabalho o que para mim foi muito trivial, foi a questão do manejo das ostras. Em Cananéia, assim, é um grande berçário, um dos principais berçários do Atlântico Sul, uma área gigante de manguezais. A extração de ostras já ocorria há muito tempo e houveram algumas iniciativas de se trabalhar junto às comunidades tradicionais esse potencial. O Instituto de Pesca estudou por muitos anos, desde a década de 60, propostas de pacotes tecnológicos de cultivo de ostras, mas assim, houve um grande problema, estudo de pesca há muitos anos, a Fundação SOS Mata Atlântica fez alguns experimentos, mas tinha uma coisa trivial que era o seguinte, imagina só os caiçaras morando na beira do mangue com aqueles berçários gigantes, aqueles bancos gigantes de ostras e querendo fazer o cultivo da ostra, por quê? O cultivo da ostra basicamente você pega um coletor de amostragem, joga, espera identificar o pico em que a ostra desova, identificou, você pega um outro coletor e joga para coletar a semente, depois de coleta a semente deixa um meses lá e a hora em que ela estiver maior você desmembra ela do coletor e põe no viveiro de engorda. Então, esse processo todo levava aí de dez a quinze meses, além da manipulação, e tanto o Instituto de Pesca como a Fundação SOS Mata Atlântica tentaram fazer a extensão do conhecimento de um dos pescadores com esse potencial, mas o pescador que está ali, que vira a cara e vê a ostra no mangue, um berçário gigante, não deu certo, sabe? É muito manejo, muito esforço e assim, para mim era trivial: “O que tem que fazer é trabalhar com manejo tradicional de uso deles”. Então, assim, eu comecei a trabalhar a comunidade mais potencial, que tinha o maior número de pessoas envolvidas de uma forma concentrada, era a comunidade do Mandira, além, assim, eu identifiquei todas as comunidades que tinham, que tinham coletores, e ali no Mandira eu falei: “Meu, não precisa fazer nada, o que tem que fazer só é manejar”, o quê que é manejar? Coletar a ostra e ver: Está em um tamanho não comercial? Põe no viveiro. Está no tamanho comercial, vende. O viveiro é extremamente simples, a gente fazia viveiro assim de bambu, dois bambus fincados, uns atravessados, aquelas telas de galinheiro, de plástico, malha dois e meio, alguma coisa assim, você põe a ostra e depois você põe uma outra tela mais fina que é para fazer o sombreamento que é para a maré não levar, coisa extremamente fácil e o pessoal começou a fazer: “Pô, mas fazer, mas tem no mangue e tal”, um ou outro começou a fazer e viram, assim, que era muito fácil a assimilação e algumas ONGs ajudaram no início, a Visão Mundial começou com um pouquinho de dinheiro para comprar tela, dessa de galinheiro para fazer o manejo e tal, e daí eu pensei assim: “Meu, está aqui, essa é a sacada”. Qual que era o grande problema ambiental ali para eles? A comunidade coletava ostras e para escoar, uma demanda que tinha muito forte era vender a ostra desmariscada, o quê que é isso? As pessoas pegavam a ostra, levavam para a sua casa, chegava lá na cozinha, a cozinha de chão batido né, jogava as ostras e tal, acendia o foguinho, quebrava a ostra, jogava um negócio com água e depois embalava, um pacotinho com dez dúzias de ostras era vendido a um real, dois reais, desmariscado e desmariscado você pegava ostra pequena e ostra grande, tudo junto, a legislação fala que o tamanho mínimo de captura, de retirada é de cinco centímetros. Então, esse era um esforço absurdamente errado, por quê? Você tira esses produtos e muitos deles sem reproduzir, sem enriquecer o ambiente, vende a preço de banana, e de uma forma sanitária péssima. Com o manejo das ostras a gente viu: “Tá aí, essa é a solução, mas como a gente faz agora para eles terem renda?”; Os atravessadores, assim como de uma forma geral, em qualquer atividade, bancavam, eram os amigos porque viabilizavam as coisas e tinha essa demanda da ostra desmariscada. Daí veio a ideia: “Vamos agregar valor”; “Como?”; “Certificação”; “Como?”; Tentamos certificação de áreas. Assim, o Instituto de Pesca sempre esteve presente, muito parceiro. A gente desenvolveu vários projetos na área e o primeiro grande projeto foi: “Será que precisa certificar mesmo para ter o SIF? Será que a qualidade da água não está boa?”. Então, a gente começou a fazer, fizemos assim, alguns anos de monitoramento da água e tal e dava aquela maluquice, uma hora estava boa, uma hora estava ruim, até que a gente viu que: “Não é a água, é a ostra”, enfim. Mas a saída mesmo, assim, o Brasil não tinha um marco legal para a gente certificar essas áreas com base na qualidade, então, a saída foi no trivial que foi estabelecer uma estação de tratamento, uma estação depuradora, a legislação fala que moluscos e tal, sem coletar, basicamente o quê que é? É você pegar a água limpa, existem vários métodos de limpar essa água, colocar os moluscos lá, as ostras e elas se auto – limpam, tornam aquela água limpa e vão limpando o seu intestino, vão se auto limpando, isso é a depuração, “Tá, então, vamos fazer uma depuradora”. A partir dessa época, o NUPAUB, através do Diegues, começou a apoiar um pouco, e o Diegues começou a falar que tinha que fazer uma depuradora lá no Mandira. “Mas por que o Mandira se o problema é da região?”. Então, nós começamos a fazer um trabalho de montar uma cooperativa da região, lógico, Mandira é o carro chefe que é onde está a concentração, mas a gente mobilizou um monte de gente e nesse tempo veio um financiamento a nível federal e a gente conseguiu emplacar um projeto que foi construir essa estação depuradora e estruturar a cooperativa. Começamos com muitas, muitas, muitas reuniões. Foram identificando as lideranças, o Chico Mandira, toda a família, o Chico Mandira do Mandira, mas existiram outras lideranças, existem. A gente conseguiu mobilizar, na época, eu tinha feito um levantamento, sei lá, tinham aproximadamente 120 coletores, a gente mobilizou, inicialmente, com a cooperativa de 80 coletores de pelo menos seis localidades e foi fantástico porque o dinheiro do projeto era pouco, então, toda a concepção, toda a construção, mão de obra, foi mutirão, foi feito com a comunidade, o financiamento dava o material e tal. Então, foi uma loucura porque, uma que as comunidades mal se falavam, tinham concorrências, começar a fazer uma coisa nova juntos, foi intenso o processo de construção, de organização, e assim, fazer revezamento de mutirão, tinha gente que não ia, criaram as regras para penalizar quem não ia, enfim, só sei que a gente conseguiu montar a depuradora, conseguiu fazer a certificação do SIF, Serviço de Inspeção Federal, viabilizamos canais de escoamento e conseguimos emplacar na seqüência um projeto que era exclusivamente para comercialização, foi muito rico o processo, com muita participação, tá? E eu fiquei tranquilo de chegar nesse processo porque a fase seguinte já estava pensada, planejada com eles e era questão de consolidar o comércio. Nessa oportunidade, eu fui convidado para assumir a direção do Parque da Ilha do Cardoso. Eu peguei e coloquei outra pessoa no meu lugar. Fui para a região pela Fundação Florestal e Secretaria do Meio Ambiente, onde eu trabalho até hoje, sempre estive na região do Litoral Sul de São Paulo como estado. Tá, eu assumi o Parque, que é um outro assunto, mas continuando na história da COOPEROSTRA, o quê que aconteceu? Eu coloquei uma pessoa muito bacana no meu lugar, ficava supervisionando de lado e aconteceu coisas que acontecem em todas as formas de organização, de cooperativismo, que são os aproveitadores, né? Apareceu um sujeito lá um dia, formado na FGV, não sei o que e papapá, se aproximou da cooperativa, se aproximou da atual gestora, que era muito boa e começou a fazer um tratamento psicológico nela, minimizando ela, e começou a achar que era o bom e montou um esquema que em pouco tempo ela pediu demissão: “Porque ele é melhor, ele merece”; e ele começou a assumir a cooperativa. A gente passou de um processo de intensa reunião para tudo, mobilização, formação, para, de uma hora para, um processo de centralização. Chegou uma pessoa e centralizou. “Não, eu sou bom, eu faço”. E o quê que ele fez? Estruturou um sistema, a gente estava em construção, estruturou um sistema de grande empresa, deu um salto, o quê que foi? Contratou vendedores em todo o litoral de uma forma absurda, os caras tinham contrato, ganhavam comissão, ganhavam apoio logístico e tudo, centralizou tudo, parou com as reuniões e virou o chefe. Esse cara deu um rombo na cooperativa que a gente orçou em nota, em nota, provado, mais de 70 mil reais, tinha nota, do lado da cooperativa tem hotel, que ele tomava champagne na hora do almoço, escrevia na nota. Ele ficou, acho que, um ano e meio, dois, mas foi o tempo de mudar, aquela fase de crescimento, parar com as reuniões, abafar a participação, endividar a cooperativa com encargos sociais, um monte de coisa, até que chegou um momento em que eu tive que intervir de novo. Mobilizei o Ministério Público, a gente foi lá um dia, entramos lá no escritório. “Fecha”. Lacramos tudo, “Para zerou, está fora o cara, vamos retomar, papapapá”. Enfim, o produto final foi caótico, né?! Imagine você dispensar funcionário, quanto que é para você pagar? Montou uma estrutura, assim, que não tem nada a ver com a proposta da participação e da gestão local. A cooperativa começou a ter um esvaziamento, ficaram pessoas ainda, mas as pessoas, assim, viram o potencial e assumiram, o Estado ainda participando, sempre apoiando, a Fundação Florestal sempre presente, algumas ONGs sempre apoiando o fortalecimento, iniciando o processo da discussão do reconhecimento de terra quilombola na área, principalmente, do Mandira, então, o Estado mais presente ainda com outros apoios. Com o passar dos anos a cooperativa foi, foi, foi até que chegou um momento maravilhoso. Hoje a cooperativa é 100% gerenciada por comunidade tradicional que trabalha com ostras, ela não tem qualquer outro funcionário, ela tem um único funcionário ou dois, três, mas são cooperados que tem uma relação ali. O número de cooperados não é tanto, mas eles têm hoje, não é nem subsistência, a viabilidade econômica do empreendimento. Então, a Cooperativa de Ostras de Cananéia é um exemplo emblemático para qualquer outra iniciativa de cooperativismo a sociativismo porque ela passou da mobilização para a intervenção caótica, que desestruturou, muito comum nesses trabalhos, até a retomada e consolidação. A Cooperativa de Ostras de Cananéia na Rio + 10 foi até premiada. Foi uma coisa fantástica. P/1 – Ô Marcos, você lembra de uma reunião, essas primeiras reuniões com as pessoas de lá? Como foi esse diálogo com alguém vindo de fora também chegando nas comunidades, trazendo uma idéia né, como foi essa conversa? Você lembra disso, você poderia descrever um pouco pra gente assim? R – Sim, é maravilhoso, a hora que você entra em outro nível, em uma outra relação de conversa que não é aquela questão técnica, aquela questão institucional, mas são de pessoas para pessoas, de você ver pessoas simples na riqueza fantástica de vida por trás. Então, foi muito de conviver, participar e fazer junto né?! Esse foi o grande mérito desse processo, tanto de aprendizagem minha quanto deles, a gente se deixou construir junto. Então, não era eu que chegava e falava: “Faça assim”, era: “E aí, como que a gente vai fazer? Que material a gente vai usar? Como a gente vai entrar na outra comunidade? Como que a gente vai tourear uma discussão de famílias na comunidade?”. Então, as estratégias, todas, foram discutidas e aí, assim, a partir do momento que essas pessoas começam ver as pessoas presentes, vivenciando, discutindo, dando a cara a bater, o reconhecimento começou a vir também, o retorno, a confiança né?! O que detonava um pouquinho a confiança nesses começos eram a concorrência pelos recursos, a concorrência pelo comércio, mas isso foi indo né?! Hoje, a cooperativa, assim, daquele grupo que trabalhava com ostras no começo, nem todos trabalham, alguns deles tem os seus meios funcionando com mais consciência e a cooperativa mandando bem também e uma coisa fantástica para o ambiente foi que a ostra desmariscada, assim, que saía muito, caiu drasticamente né?! Existe ainda saída, é ilegal, mas a escala é bem menor. P/1 – Ainda há? R – É. P/1 – Essas regiões elas são áreas de preservação? Qual que é essa região da COOPEROSTRA que você comentou? Não é parque né?! O quê que é? R – Tudo, aonde se chegou no Vale do Ribeira, chegou naquela região litoral, onde você põe o pé é Unidade de Conservação, tudo, com exceção da sede do município né?! Trata-se, assim, de um mosaico de unidades de conservação, sobreposições, então, basicamente tem uma Unidade de Conservação básica lá, que é uma unidade federal, uma APA, Área de Proteção Ambiental de Cananéia – Iguape – Peruíbe, que pega de Cananéia e vai até Peruíbe e mais um trecho lá ainda entrando. A APA é uma Unidade de Conservação de uso sustentável e assim, ela é uma Unidade de Conservação muito tênue em termos de restrição ambiental, é uma das mais tênues né, por quê? Porque ela admite domínio particular dentro, mas é uma Unidade de Conservação né?! Então, toda essa região está dentro dessa APA e existem outras unidades de conservação, o Parque Estadual da Ilha do Cardoso, mais ao norte Estação Ecológica Juréia - Itatins, mais ao sul Parque Nacional Superagui, já no Paraná, o Parque Nacional Jacupiranga que ficava mais em cima. Essas pessoas viviam nesse ambiente e assim, o que pegou mesmo, em si, não foram as Unidades de Conservação, foi a legislação ambiental né?! De uma hora para a outra as pessoas não podiam cortar árvore, não é porque era Unidade de Conservação porque a legislação ambiental falava que não podia né?! Lógico, dentro do Parque não podia mais ainda e tem aquela questão do histórico, que nem eu estava falando né?! A Ilha do Cardoso, para quem vai à Ilha do Cardoso, há mais de cem anos, cento e poucos anos atrás, morava mais gente na Ilha do que em Cananéia, então, tinha um grau de ocupação, o que fez as pessoas saírem, por exemplo, da Ilha do Cardoso, não foi especificamente a criação de Unidade de Conservação, a criação do Parque, foi a mudança dos regimes comerciais, de exploração comercial né?! A Ilha do Cardoso tinha antigamente engenhos, locais para a construção de embarcações, conforme a mudança dos ciclos econômicos as demandas foram diminuindo e essas pessoas foram mudando de suas áreas e foram partindo para outras. A partir da década de 50, 60 é que começou a questão ambiental, ainda em cima das leis maiores e as unidades de conservação mesmo começaram a surgir do final de 60, 70 né?! Então, o principal fato de expulsão das comunidades tradicionais de suas áreas não foi a criação das unidades de conservação, foi a mudança dos ciclos econômicos. Lógico, criaram-se as unidades de conservação, uma restrição a mais, as pessoas já estavam o tal e foi indo. P/1 – Marcos, você poderia nos explicar como foi esse processo de criação dos parques no Vale do Ribeira? Você tem esse conhecimento? Você está falando da década de 60, 70, como foi? Como o Estado começou a agir nesse sentido? R – É, esse início da criação das Unidades de Conservação, foi início totalmente de gabinete, eram outros tempos né?! A Juréia foi um marco da mobilização no sentido de frear a especulação imobiliária, frear a questão de usina nuclear. Então, foi uma mobilização das pessoas, mais voltada para questão ambiental que eram muito poucos na época, que conseguiram aplicar esses modelos de Unidade de Conservação, a discussão das categorias, dos processos de criação não existia né?! Existiam algumas poucas Unidades de Conservação, categorias e esses técnicos faziam os desenhos, tal, a discussão e de uma hora para a outra as Unidades estavam criadas né?! Até se criarem as Unidades de Conservação as pessoas começaram, a saber, que moravam em Unidade de Conservação anos depois né?! O Estado começava a fazer a gestão das Unidades de Conservação anos depois né?! Muito diferente do que ocorre hoje em dia, hoje já existem outros processos legais normativos que estão ocorrendo, de discussão, de estudo, mas foi assim nessa época e essas Unidades elas foram ganhando gestão com o passar do tempo com o Estado se aparelhando, com o tema ‘ambiental’ indo mais a tona. Então, a implantação dessas Unidades foi gradativa, por exemplo, na área que eu mais conheço, na Ilha do Cardoso, se criou o Parque e posteriormente foi criado o CEPARNIC, Centro de Pesquisas Aplicadas de Recursos Naturais da Ilha do Cardoso, no final da década de 60, 70. Imaginem vocês, nesse período, olha que fantástica a idéia do Estado, o objetivo era integrar todos os institutos de pesquisas para gerar conhecimento e tecnologia de manejo de recurso natural, uma coisa maravilhosa, criaram na época do ‘milagre econômico’, aquela coisa, os ‘elefantes brancos’, era uma mega estrutura, um monte de problema de gestão, de administração, mas a sacada, a idéia foi fantástica. Então, a Ilha do Cardoso foi criada a partir do CEPARNIC, estruturou muita construção, muito funcionário para o CEPARNIC e o Parque era o CEPARNIC, era a sede do Parque no norte da Ilha, limitado. Com o passar dos anos é que essa estrutura falou: “Opa, o Parque não é só o CEPARNIC, o Parque é a Ilha toda” e aí começou a gestão né?! Mas de uma forma atual das Unidades de Conservação foi a criação de papéis, demorou muito tempo para começar a fazer a implementação das Unidades de Conservação e mais tempo ainda para as pessoas começarem a entender o quê que é a Unidade de Conservação né?! P/1 – É, eu queria entender Marcos porque eu fico olhando pro mapa ali né?! Tem São Paulo, Curitiba e tem uma extensão de mata né (risos)?! R – É o maior remanescente de Mata Atlântica do Brasil. P/1 – É, eu fico tentando entender, assim, por que que não aconteceu a mesma coisa com o litoral a mesma coisa que aconteceu com o Vale, enfim, com outros lugares né?! Por que que permaneceu daquela maneira né?! R – Simples a resposta, acessibilidade. A BR 101 não passou lá, ia continuar da Juréia para sair lá no Paraná, a Juréia freou, ia fazer a entrada, quando a gente vai pro Mandira é o traçado da BR 101, pode ver que a estrada antes de chegar em Cananéia é muito boa né, que passa em Pariquera e tal, também foi freado ali né?! Então, a acessibilidade matou né?! Segundo, não é só isso, mas principalmente esse, segundo, uma coisa é você isso para o litoral norte de São Paulo, Costão Rochoso, praias pequenas, tal, uma outras coisa é você ir para uma região esfarinho-lagunar, Manguezal, Mosquito, não que não tenha em Ilhabela, não tenha no litoral norte, tem em todo lugar, mas o ambiente pra você curtir um veraneio, é diferente, as praias não são praias entrecortadas, pequenas, são praias grandes, compridas, ilhas barreiras. Então, esse foi um dos fatores, na minha opinião, que não deu esse norte ali para a região litorânea, do litoral sul da cidade de São Paulo e para todo o Vale do Ribeira também, tudo era dificultoso, você vai instalar uma indústria, aonde? Tem que fazer estrada, a questão energética, toda essa dificuldade mais agressiva, o Estado começando a desenvolver pontos de desenvolvimento em outras regiões, fez com que se mantesse esse padrão né?! P/1 – Mas a Ilha do Cardoso, por exemplo, poderia ter sido, eu acho que ela foi palco, inclusive, de especulação, assim. Eu fico tentando ver, assim, essa relação do por que que o Estado escolheu ali pra preservar né?! Tem um conceitual teórico? R – Não, é uma ilha né?! Uma ilha costeira, uma ilha barreira, é delimitada, para se criar uma Unidade de Conservação foi nessa linha mesmo de definir áreas de grande relevância, mais fácil manejo, gestão e o fato de ser uma ilha é um desenho fácil né?! A Juréia, o desenho eu não sei como que foi histórico, mas falando um pouquinho da gestão do Parque, aliás, desculpe, qual que foi a sua pergunta mesmo? P/1 – Eu estava pensando, assim, se havia um conceitual teórico, por exemplo, pra criar Unidades de Conservação nessa região, por que ali? Você falou de relevância ambiental, mas tem um conceitual, vem referências externas, é o momento? Por quê que eles não foram lá e criaram logo a rodovia de primeira, entendeu? Eu fico imaginando assim, por que ali? R – É, assim, o início da criação das Unidades de Conservação no Brasil seguiu o modelo antiquado dos Estados Unidos, que eram aqueles parques fechados, sem gente, que o hoje o Estados Unidos mudou totalmente o conceito, mas as primeiras Unidades foram assim. Ali é aquilo lá que eu te falo, o maior remanescente de Mata Atlântica do Brasil se encontra na região do litoral sul de São Paulo e no norte do Paraná, a região principalmente litorânea entrando no Vale do Ribeira né?! Haviam já reconhecimentos da importância do esfarinho-lagunar como berçário, então, todos esses focos que se tinham deu base técnica sim, quando eu falo que foi feito de gabinete, mas com baseamento técnico dessa delimitação, foi isso. P/1 – A sua experiência na Ilha do Cardoso né?! Você tinha acabado de vir de uma experiência com a COOPEROSTRA, por exemplo, em relação aos moradores de lá, como foi, assim, você também propôs questões semelhantes, assim, de coletividade? O homem e essa preservação, eu queria entender como é? R – Eu assumi a Ilha do Cardoso, foi em 1999, se eu não me engano, eu fiquei dez anos como gestor lá e assim, foi um momento extremamente oportuno por quê? O momento em que por meio de um financiamento externo, estruturando as Unidades de Conservação, houve uma abertura maior de mudar esse modelo de parques como eram, modelo fechado. Então, houve o início da discussão de fazer uma gestão mais participativa, conselhos construtivos, é no começo, antes da lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação que foi em 2000, o qual definiu as categorias de Unidades de Conservação, proteção integral dos sustentáveis, as várias categorias. E também falou que as Unidades de Conservação têm que ter uma gestão participativa por meio de conselhos gestores; isso em 2000. Na ilha, quando eu assumi tinha essa discussão, né, Parque com morador tradicional, morador tradicional há muitas gerações na área e a especulação imobiliária ganhando força, né? Era parque há muito tempo, sem gestão nenhuma; depois começou a gestão ainda meio que incipiente começando, mas mais focada na sede do Parque, no CEPARNIC mas com muito pouco trabalho em todas as comunidades. E as comunidades estavam assim abandonadas; não pode, não pode, não pode, né, não pode reformar, não pode construir, não saia nada de autorização formal. E as pessoas veranistas construindo, comprando casa. Os moradores lá, basicamente da Ilha do Cardoso, viviam da pesca; a questão de roça já houve uma perda um pouquinho antes, que é a questão histórica de mudança de ciclo econômico e tal. E começaram a ter essa questão da prestação de serviços pra turistas; de repente o cara vai lá, compra uma casa de um caiçara, reforma, contrata mão-de-obra local, construiu a casa. Contrata a mulher do pescador pra fazer faxina, contrata o pescador pra pegar o barco e buscar em Cananéia, traz remédio, dá presente, não sei o quê; começou a ter relações de favores e de amizades. E as pessoas, foi um momento muito complicado, começaram na década de 1960, 1970 até 1980, começaram a surgir casas de veranistas na ilha, né? E começou a estruturar essa nova cultura da pesca e da prestação de serviços. E incipiente um pouco a questão do turismo numa comunidade que era um Marujá muito pouco. Esse era o contexto que era a tendência. Então daí, quando eu assumi, a primeira coisa que eu fiz sabendo, escutando de ampassã conselhos é isso. Criamos talvez o Primeiro Conselho do Estado de São Paulo, com certeza – não sei se foi do Brasil – Primeiro Conselho Consultivo de Unidades de Conservação, antes do SNUC. E o que que é isso? Vamos ver o que que é isso. Botar todo mundo pra sentar, conversar, né? E aí começou uma discussão de fazer um plano de manejo dentro de uma ótica mais de envolvimento de comunidade. E essa ótica, não foi, é uma ótica que a política do Estado, à época, tava começando a dar. Então o Estado estava começando a abrir, existem pessoas de grande relevância, Cláudio Mareti, Renato Sales, que eram funcionários do Estado e que conseguiram plantar essa idéia. E quando eu assumi foi muito bacana porque a gente estruturou o Conselho e damos um caráter quase que deliberativo pros Conselhos, né? Os Conselhos das Unidades de Proteção Integral são consultivos, né? E uma coisa que eu deixei muito claro pras pessoas é assim, ó: é um Parque, é proteção integral, existem comunidades tradicionais que estão historicamente lá e que têm direito. Existem outros ocupantes que pode ser pessoas boas, pode ser pessoas legais ou não; mas de qualquer forma eles têm que sair imediatamente. Então, a primeira coisa foi implantar esse divisor de águas conceitual: a Unidade de Conservação trabalha com comunidade tradicional; quem não é, nós vamos, tem que desenvolver todas as formas legais, cabíveis pra retirá-lo, seja de uma forma mais forte legalmente ou seja uma forma mais conciliada se a pessoa lá tem direito de propriedade, enfim. P/1 – Desculpe, só pra gente trocar. R – Ta; pode falar? P/1 – Continuando. R – Bom, a implantação do Parque ela seguiu dois modelos. Um modelo, que foi a sede do Parque, o antigo CEPARNIC, que já era uma referência de estudo do meio; colégios, que vêm lá, ficam alojados e fazem o estudo do meio. Esse modelo nós aprimoramos, viabilizamos mais estrutura, mais condições, tal, tal, tal e tudo bem. Agora, o outro modelo que não se tinha era um modelo trabalho com comunidades. E basicamente o que a gente tinha? Turismo de feriado e de temporada de verão de uma forma totalmente desorganizada. E, e aí a gente cai assim das várias comunidades que têm na Ilha do Cardoso. P/1 – (telefone) Desculpe. R – A que tinha mais potencial de turismo ali era o Marujá. E quando eu assumi no Marujá a situação era a seguinte: era barraca na praia, era neguinho fumando em qualquer lugar, era seringa, era auê, bandalheira e, pior ainda, era centralização do receptivo turístico na mão de não-tradicionais. Eram poucos os moradores que tinham áreas de camping. As grandes áreas estavam na mão de não-tradicionais e os principais, as principais atividades comerciais também. E assim, vou cair muito no exemplo do Marujá, onde a gente conseguiu implementar o modelo e consolidar. Não que nos outros não conseguiu, mas estão em outros estágios. Pra começar a trabalhar no Marujá, o primeiro foco foi: “Tipo, vamos chegar na comunidade. Como?” Então, o primeiro ano foi lixo; focos de lixo em tudo quanto é lugar. Montei uma legião de estagiários, vamos pra lá e vamos mostrar; só coletar lixo; e proibir áreas de camping na praia. E aí a comunidade começou a ver: “O que que esses caras tão fazendo? Tão pegando lixo aqui.” Começou a incomodar, daqui a pouco um outro começou a participar e eu falei: “Não, agora, o que que a gente tem que fazer é empoderar quem é de direito.” Então o que que a gente começou a fazer? Exploração de turismo vamos diminuir as grandes áreas e vamos começar a fomentar novas áreas junto a comunidades. Então assim havia absurdo de cinqüenta barracas pra um banheiro, né, são mais de cem pessoas. Então, a gente começou a fazer regrinhas: ah, 20 barracas por banheiro, quem quer ter área de camping, né, quem tinha. Ah, vamos cortando as áreas dos não-tradicionais até chegar a zero. Vamos melhorando a qualidade, né? Hoje ta cinco barracas por banheiro; é uma qualidade muito boa em termos, apesar dos problemas de tratamento sanitário que é região costeira ainda têm problemas. Mas esse início de socialização de recursos, implementar, consolidar turismo de base comunitária foi o grande foco. Foi uma loucura porque, assim, as pessoas iam, a comunidade não tinha como falar, então ia, guarda parque, brigava e não pode, tira e briga e vem; começamos a implementar as cotas de mecanismos do auto-controle. Morador fazendo auto-controle, mecanismos de arrecadação de dinheiro por barraca gerenciado pelos moradores pra pagar o cara que vai fazer contagem de barraca, pagar o agendamento e tal. A gente foi, foi, foi construindo e registrando tudo. A forma legal a gente deixou previsto em plano de manejo algumas diretrizes, mas tudo, todas as regras surgiram de “n”, “n”, “n” reuniões, várias, várias assembléias. Quer discutir barraca, cota? É só em assembléia. Quem participa, a associação? Não, todo mundo; todo mundo que é tradicional. Então chegava lá, qualquer problema, ah sei lá; uma vez a cada dois meses tinha assembléia. Ou sei lá, era muita reunião. E nessas reuniões a gente chegava e falava: “Ó, o cara lá, coitadinho não tem, nunca trabalhou; então vamos trabalhar com ele. Vamos dar uma cota de barraca pra ele e acompanhar ele.” “Mas tira de quem?” “Tira de quem tem mais.” Então foi, foi, foi tirando aquelas grandes áreas, equalizando até que chegou hoje num momento bacana. A gente conseguiu atrelar outras coisas muito legais também que é coisas da pousadas-residências; consolidar esse modelo. Então as pessoas tinham direito, sim, de construir até dois quartos pra receptivos; se ele tinha barraca, construía o quarto, diminuía uma cota de barracas pra ficar o mesmo número de pessoas. Então esse modelo das pousadas-residências, enfim, nós chegamos num modelo hoje de turismo de base comunitária consolidado na comunidade do Marujá. Hoje a gestão do turismo, lógico você tem a Unidade de Conservação, que é o grande moderador, tá presente; mas a operacionalização da gestão turismo é da comunidade. Desde o agendamento, desde o controle do número de barracas, o número de pessoas, a gestão do lixo. Nós chegamos assim a algumas coisas fantásticas lá no Marujá do tipo cachorros, né; foi, foi, foi que a gente chegou em regras em não ter mais cachorro. Então a gente fez parcerias com Universidades de Veterinária pra ir lá, fazer castração; tudo acordado, não foi nada imposto. E foi muito, muito estressante no começo; imagine chegar aquela lancha de bacana, a menina com o poodlezinho dela, não sei o quê, ia descer, não pode. E o vira-lata, sarnento, do caiçara lá na beira lá, andando pra lá. “Como, ah?” “Não, aquele lá é cadastrado, aquele lá é tradicional, tem lá o numerozinho dele, aquele pode.” Hoje, no Marujá, tem dois cachorros; sabe uma comunidade ter dois cachorros? P/1 – (risos) R – Sabe o que é isso? E assim não é, a gestão, a gestão é auto-gestão mesmo; eles se controlam. E eu até dei um exemplo assim, a gente teve um problema também que a gestão tinha que ser com os gatos também, né, mas hoje no Marujá tem muito gato. Houve um problema que gato era mais solto; então, mas tá se fazendo essa gestão. E o Marujá foi isso, né, eles têm lá a Associação deles, eles têm ainda – eles têm ainda, não, eles têm, sempre tiveram o hábito de reunião, já têm um histórico de organização com lideranças muito forte lá. O Sr. Ezequiel assim é uma grande referência, tem um histórico de combate à pressão, à especulação imobiliária muito grande também. E o Estado só veio a fortalecer esses princípios e a consolidar esses princípios, né? P/1 – Ok, isso foi; enfim, foi uma das questões que é central pra gente aqui que você tá dando um exemplo de como os moradores se organizaram num lugar que é uma reserva também, né? R – É um Parque Estadual. P/1 – Um Parque Estadual, né? R – De proteção integral. P/1 – É. (risos) A gente queria saber essa relação; como você enxerga essa relação de conservação da natureza com a presença do homem, né, como que você? R – Bom, voltando assim. Em 2000 foi sancionada a lei do Sistema Nacional de Dados de Conservação que foi o grande marco em termos de Unidades de Conservação no Brasil. Essa lei ela categorizou as diferentes Unidades de Conservação existentes em duas grandes áreas: proteção integral e uso sustentável. Proteção integral é o nome que fala por si, né; e aí tem uma série de Unidades de Conservação, Estação Ecológica, parque, reserva biológica que são de proteção integral, né? E também tipificou as de uso sustentável: as áreas de proteção ambiental, como eu falei, que são as mais tênues, até unidades de uso sustentável que são na real, no meu entender, são muito rígidas. Por exemplo, que nem as Reservas de Desenvolvimento Sustentável e a Reserva Extrativista são unidades muito rígidas porque elas definem muito o público-alvo beneficiário, que é a população tradicional. Lógico, são comunidades que tão dentro da Unidade de Conservação, que o Estado tem que estar presente, tem que conservar porque são Unidades de Conservação. Mas eu falo que elas são muito rígidas, não porque as pessoas podem fazer, mas pelo beneficiário. É uma Apa, por exemplo, nas de uso sustentável o público-alvo é toda a sociedade; numa RDS, numa Resex é a comunidade tradicional. É um corte radical de direitos, né, é um, eu costumo falar assim que é uma oportunidade. A partir do momento que os moradores tradicionais são reconhecidos em áreas quilombolas, em áreas indígenas, em reservas extrativistas, essas áreas de desenvolvimento sustentável é uma grande oportunidade porque é a legitimação do uso da terra pra um determinado grupo, pra família dele, pra geração dele. Onde é que a gente vê isso? Se não é a Unidade de Conservação a gente não vê em lugar nenhum, não tem como, né? Lógico, terra indígena não é Unidade de Conservação, mas é como se fosse; é o mesmo princípio, né, de uso sustentável. E lá na região é aquilo lá que te falei, existe o mosaico, existem desde as mais restritivas, que é a Juráia, os parques; agora, o SNUC foi muito feliz porque o SNUC foi uma normativa fundamental e ela foi um marco assim de onde ela deu um tempo pra sociedade. Primeiro, assim, ó, vamos se organizar e vamos ver que caminho tomar mais pra frente. Porque ela fala assim: “Unidade de proteção integral não pode ter gente; estação ecológica e tal, tal. Mas reconhece que tem gente – moradores tradicionais – reconhece direitos pra essas pessoas e determina que eles só saiam em comum acordo.” A partir desse princípio, desse reconhecimento, aí que nós potencializamos todos os nossos trabalhos com comunidades tradicionais dentro de Unidades de Conservação. É uma oportunidade pra essas pessoas, sim. Apesar que hoje, a nível de Estado, a nível de ONGs conservacionistas, preservacionistas se tem muita discussão – e a partir do SNUC sempre se teve – ah, pode ou não pode ficar dentro de parque, não sei o quê, não sei o quê? No meu entender, no mundo inteiro existem modelos de parques com comunidades tradicionais dentro. É pastagem alpina na Alemanha, não sei o que lá nos Estados Unidos; no mundo inteiro você vai. No Brasil mega-diversidade, mega-dimensões, unidades; não tem como se dar ao luxo – não é luxo a palavra – mas seguir esse contexto de unidade de proteção integral não tem gente. É inviável fazer uma gestão de uma Unidade de Conservação com essa ótica. Tem gente, sim; tem comunidade tradicional com direitos tradicionais, com modos de vida que tem que ser acompanhados; têm invasores que seja de boa ou má fé tem que sair. E nós mostramos esse modelo; é possível esse modelo; ele é do Cardoso, é possível você conciliar conservação com ocupação humana tradicional. O que precisa, sim, é ter a rigidez, a rigidez técnica de definição quem é o público-alvo, quem é a comunidade tradicional? P/1 – Tem uma questão conceitual que é importante, né, pra gente registrar que é essa diferença entre conservação e preservação. Queria que você discorresse um pouco sobre isso, assim sobre. R – É, essa discussão conceitual de preservação e conservação ela ocorreu muito, principalmente nos anos 1990, e agora nessa primeira década de 2000, pós SNUC. Hoje não é, não pega tanto como já pegou o discurso preservacionista com o discurso conservacionista. O preservar aquele onde os biólogos tiveram a grande importância deles na década de 1970; os biólogos é modo de dizer, os preservacionistas, de criar essas Unidades de Conservação, de garantir esse patrimônio pras futuras gerações, de terem as espécies-símbolos como bandeiras foi de grande relevância. Assim como, posteriormente, os conservacionistas, né, que já vinha essa questão do uso dessas áreas, da manutenção da conservação, do status de conservação e de ocupação, foram e são de grande importância na seqüência. Mas minha leitura é que a coisa é meio que miscigenou agora porque você, não se faz um projeto de preservação do mico leão dourado se você não incutir a questão sócio-ambiental no meio; não vai ter linha de financiamento. Assim como você não faz um trabalho de manejo de caixeta com dado tradicional se não tiver um estudo biológico aprofundado por trás. Então, nós estamos num outro contexto que abriga hoje, eu acho que não é, a discussão não é conservar e preservar, né? Há dez anos atrás quantas matérias de questão ambiental saía no Jornal Nacional? Hoje, quantas matérias saem por dia no Jornal Nacional, né? Os contextos mudaram, o discurso ambiental, sócio-ambiental é obrigatório. Eu acho que hoje a discussão é como fazer os modelos, sabe, é como mostrar, como gerenciar isso, né? Eu acho. P/1 – Hoje, pra criar uma reserva assim, como que; exatamente os planos que são sendo criados é sempre pensando preservação e? R – Conservação. P/1 – Com pessoas, né? Preservação e conservação juntos no mesmo – não sei se tem um termo pra isso e tal – mas ta nesse caminho. R – Qual a pergunta mesmo? P/1 – Assim, na criação hoje: vamos criar uma reserva. R – Ah, o processo? P/1 – É. R – É. P/1 – Porque ainda continua com várias delimitações de Unidades de Conservação diferentes. R – Sim, sim. P/1 – E que uns tem um conceito – porque eu to entendendo – a Estação Ecológica é preservacionista. R – É bem restritiva. P/1 – Seria preservacionista? R – Sim, é. P/1 – É isso ou? R – Sim, dentro de um, é grau de restrição. Na Estação Ecológica você não pode ter turismo; você pode ter estudo do meio, educação ambiental. Mas você não pode fomentar turismo de veraneio. “Vamos curtir uma praia lá e ficar lá”, né? Porque é de frente num parque; num parque você pode ter atividades recreacionistas, né, de recreação. Se pode ter visitação pública numa Estação Ecológica desde que toda moldada em princípios voltados a estudo do meio, educação ambiental. Então não é uma visitação pública de: “Ah, vou pegar, vou fazer uma trilha, vou tomar um guaraná, vou curtir uma praia.”; não é isso. Num parque já pode ter essa visitação. Esse gradiente ele ta aí, nós estamos mostrando com a gestão das Unidades de Conservação essas possibilidades todas que ta muito incipiente. Mas e pro morador, o que significa isso: você morar numa Estação Ecológica, você morar num parque, ou morar numa reserva extrativista – qual é a diferença? A partir do momento que o SNUC reconhece que tem comunidade tradicional e deve manter a subsistência, a diferença de um parque pra uma Estação Ecológica não é nenhuma pro morador. O que que tem que fazer? Se tem que saber o que essas pessoas fazem, assessorar, adequar com os conceitos ambientais e garantir o modo de vida deles. Isso em qualquer categoria dessas de proteção integral. Agora as demais atividades de um parque, de uma Estação Ecológica vão ser as mesmas em termos de pesquisa. De estação pública, não, essa que é a grande diferença. Eu não sei se eu te respondi. P/1 – Não, sim. To pensando em outras questões aqui. Já ouvi, me lembrou o Tonico, o professor sabe da Geografia? É que eu só sei o apelido, né? R – Sei, sei; conheço. P/1 – Conhece? R – Conheço. P/1 – Mas é que ele colocava aquela questão, que é se a população caiçara, por exemplo, ela quer ter a Coca-Cola, ela quer ter carro, ela quer ter as mesmas coisas do desenvolvimento de qualquer cidade, qualquer município. E essas então, enfim, queria ver assim como que ta esse diálogo da demanda da comunidade e de quem ta no Governo pensando, né, em preservação, pensando em conservação, né? Queria entender como que se dá essa, sabe, expectativa de ambos os lados, né, pra chegar num gradiente. R – Do desenvolvimento cultural, social? P/1 – É, por exemplo. R – Olha, o que que é importante assim pra uma comunidade tradicional dentro da unidade de proteção integral pro Estado? O importante é que o meio de vida dele seja o menos possível degradador pra questão ambiental e que a questão cultural dele seja resguardada. A partir do momento que eu estou aqui, eu tenho o meu celular, tenho o meu bonezinho, escuto hip hop, sei lá o que, não quer dizer exatamente que perdeu a cultura; você ta vivendo, você ta interagindo. Agora, a partir do momento que eu to vivendo numa Unidade de Conservação, acordando cedo, indo pescar, depois ajudando lá na roça ou participando do culto da Igreja ou sei lá o quê, fazendo instrumento, a cultura ta se mantendo ali, né? E diferente de você chegar e falar: “Não, eu quero mudar minha casa aqui e eu vou fazer uma casa aí de dois pisos, eu vou”, na unidade aí já começa a modificar, começa a ter uma alteração pra Unidade de Conservação – mudança do padrão estrutural, enfim. Eu não, é aquela coisa assim, definição de população tradicional. No meu entender, não é que é muito diferente, pra mim é diferente de você discutir comunidade tradicional na Amazônia com da tradicional na mata Atlântica. Amazônia as dimensões são outras; as pessoas, por mais que eles foram pra lá, muitos deles foram lá pra construir a estrada e ficaram, têm as pessoas que já tão lá. Os seringueiros, mesmo; muitos seringueiros não são naturais; eles são migratórios. As dimensões lá, pelo menos no que eu tenho pra mim, além da questão da tradicionalidade familiar na área tem a questão da tradicionalidade do uso da área. Aqui na nossa região, na minha opinião, o fator principal de definição de população tradicional é a questão familiar de estar na área. Por exemplo, tem uma comunidade lá, lá na Ilha do Cardoso; tem um senhor que é super tradicional e que ta com um bar lá. Não pesca mais, não faz nada, mas ta com um bar. Ter um bar é tradicional? Existem as mercearias, sempre teve, né? Mas pra quem chega e fala: “Pô, como que é tradicional? Ele não caça, ele não faz roça, não pesca; não é tradicional.” Mas vai saber a história de vida dele ali, a participação nas relações culturais, religiosas, produtivas, enfim, construtivas, né? E, por exemplo, existem casos onde têm pessoas que são lideranças, são manejadores do ambiente, assim, sabe? Você chega num ambiente, o cara se adequa, maneja aquele ambiente de uma forma super-correta, tem um padrão super-bacana tal, mas ta ali na área há 20 anos. É uma liderança local; mas é tradicional? Ele domina a técnica, ele é liderança, ele tem boa intenção; na minha opinião, na mata Atlântica não é. Porque, como eu falei, imagina a Ilha do Cardoso há cento e poucos anos, tinha mais gente morando na Ilha do Cardoso do que em Cananéia. Imagina a relação de laço familiar dessas pessoas voltarem ali; imagine a pressão que é você reconhecer essas áreas, a pressão que é outras pessoas virem e morarem? Pra mim, em mata Atlântica, a tradicionalidade vem do estar da família na área, que é um direito. E tem outra ainda, têm aquelas várias questões do cara é tradicional e foi morar fora. Na Ilha do Cardoso, se for morar fora, se você não voltar pra uma unidade familiar existente, eventualmente, você não volta. E quem definiu isso? Os moradores. Você viu assim esse trabalho de base? O nível de empoderamento que dá e discernimento nesse tema? É forte, né? P/1 – Bom. R – É aquela coisa: hoje é uma oportunidade morar dentro de uma Unidade de Conservação. Apesar dos vários discursos, sejam de várias instituições nível público ou em ONGs de ter essa discussão de pode e não pode, no meu entender é uma oportunidade. P/1 – Bom, então só pra gente fechar a última, que é a que a gente ta perguntando assim pra todos, pra terminar, que é pra você, né? Qual que é a importância ambiental do Vale do Ribeira pro Brasil e pro mundo? R – O Vale do Ribeira é um caldeirão efervescente de essências nativas, de cultura, de manejo de recursos. A hora que você vai numa região em que se têm comunidades especializadas em manejar líquen, musgo da restinga, sabe? São especializadas nisso; outras especializadas em cortar palmito; outras especializadas em catar caranguejos; outras especializadas em pesca, né, é uma série de essências nativas, naturais da área de diversidade biológica manejada por populações tradicionais é algo fantástico. E com esse reduto, essa concentração ali nessa faixa, essas unidades todas de conservação sendo criadas, sendo gerenciadas – é melhor até você gerenciar do que criar novas, e tal – nossa eu vejo como um grande potencial futuro de vida. E pras comunidades que tão lá a tendência é cada vez mais o governo, a sociedade civil olhar mais, direcionar mais pra alternativas pra diferenciar o local. Aquela coisa: “Ah, o IDH do Vale do Ribeira é um dos mais baixos do Estado de São Paulo.” Mas Cananéia não se passa fome, sabe? Eu to lá, eu moro numa casinha hoje; mas to com fome vou lá e tiro uma ostra, como; vou lá troco um peixe por um negócio, sabe? É uma riqueza fantástica. Eu não acredito que tem pobreza, mesmo, no Vale do Ribeira, apesar desses índices todos caracterizarem esse estágio, né, eu acho que existe muita riqueza. E o que falta é nós aqui, que não moramos aqui, aproveitarmos dessas riquezas também, desfrutarmos. P/1 – Bom, então em nome do. R – Fechado? P/1 – Fechamos aqui. Muito obrigado, viu, pela participação. |
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